A vida na Idade Média
A Idade Média situa-se entre o século V, marcado pelo fim do classicismo greco-romano e o século XV, ou seja, o início da Renascença. Cobre por isso um período muito vasto da história, abrangendo praticamente 10 séculos.
Por vezes classificada como a idade das trevas, tempo sombrio e de ignorância, a Idade Média foi no entanto palco de decisivos acontecimentos históricos e de magníficas produções culturais e artísticas. Muitas catedrais, castelos, igrejas e obras de arte construídas então chegaram até nós, como testemunho e eco deste período decisivo na História do Homem. As cidades, as universidades, a moeda e o comércio da Europa, ainda hoje existentes, têm as suas raízes neste período que alguns classificaram erradamente como uma longa noite de dez séculos. Talvez por a Idade Média ser uma época remota e misteriosa, mergulhada nas brumas da história, povoada de castelos e guerreiros, reis e bispos, cavaleiros e damas. Então, a paz era rara e a Europa vivia entre guerras e batalhas sangrentas. Nelas, os cavaleiros envergavam armaduras reluzentes e empunhavam espadas mortíferas. Mas não foi apenas por esse motivo que a Idade Média é considerada um tempo de violência e insegurança. A Peste Negra, interpretada como um sinal da ira de Deus contra o homem, dizimou a Europa, matando um terço da população. Um cavaleiro tinha assim mais probabilidades de morrer vítima da doença, o pior dos inimigos, do que vítima de um adversário. Embora os costumes romanos se tenham mantido durante bastante tempo, foi na Idade Média que se desenvolveu uma nova forma de governar a sociedade, chamada feudalismo. Este sistema, juntamente com o crescente poder da Igreja, foram os que mais influenciaram a vida na Idade Média.
A sociedade estava organizada num sistema feudal, que se baseava na concessão de terras em troca de serviços. No campo, à volta dos castelos, vivia a esmagadora maioria da população. Eram os camponeses, que trabalhavam a terra por conta do senhor lhe pagavam uma renda. Em troca, podiam refugiar-se no pátio do castelo em momentos de perigo. Por tudo isto, o sistema feudal traduz a importância da terra, maior bem que se podia possuir e só ao alcance de alguns. Os cavaleiros juravam servir com lealdade os seus senhores e as terras, defender a honra das damas e colocar a sua vida ao serviço de Deus.
A Igreja Católica estava no centro do mundo medieval. Era uma instituição poderosa e governava a vida das pessoas, desde os aspectos mais práticos aos espirituais.
Em termos arquitetônicos, há dois tipos de construções que caracterizam esta época da história, rivalizando então em importância: os castelos e as catedrais. Os castelos, símbolos de prestígio e objetos de conquistas militares, traduziam a importância do poder terreno. Lugar por excelência do poder económico e político, dominavam a sociedade camponesa. As inúmeras catedrais com torres que se elevavam na direção dos céus simbolizam a importância da Igreja e o peso do poder espiritual.
A arqueologia revela que durante a Idade Média a chave era um elemento muito utilizado e construído em grande escala. Facilmente concluímos que o homem medieval apreciava a segurança e gostava de guardar, fechar, proteger o que tinha de mais precioso.
O espaço medieval brinca precisamente com a dialética entre a estabilidade e a mobilidade, entre a segurança e o perigo. A cidade, lugar de civilização, opunha-se ao campo, lugar de rusticidade. Construídas entre muralhas, as cidades ofereciam estabilidade, mas os nobres, cavaleiros e mercadores encontravam-se em constante movimento. E as próprias cidades, local onde se concentrava o comércio e a riqueza, eram igualmente o espaço cobiçado por ladrões, pelo que ao escurecer, a segurança desaparecia. Apesar das cidades manifestarem tendência a desenvolver-se junto de portos, o mar ainda era um mundo desconhecido, que ficaria para outras páginas da história da humanidade.
Os tempos livres eram ocupados com atividades físicas e violentas como os torneios de cavalaria e a caça ao veado. Felizmente, também havia tempo para realizar concorridas feiras e mercados, com malabaristas e exibições de animais, nomeadamente ursos. É também nesta época que surgem os bobos da corte e os trovadores, músicos que cantavam o amor proibido por uma dama. Juntos, animavam os longos e frios serões no castelo.
Em termos culturais, o imaginário medieval é muito rico e repleto de demónios, animais e outras figuras temerosas. A criatividade do homem medieval expressa-se por uma admirável produção de formas estéticas, verdadeiros testemunhos da sua vida quotidiana. Numerosas construções, livros, objetos e sobretudo obras de arte como pinturas, esculturas, mosaicos, vitrais e tapeçarias chegaram até nós, pelo que é bastante fácil reconstruir com fidelidade a história desta época aparentemente misteriosa.
Hoje, muitos séculos depois, propomos uma visita guiada ao modo de vida de então. Porque afinal, também foi este passado que fez de nós aquilo que somos hoje.
A Sociedade Medieval
“Sociedade feudal” é o termo usado para descrever a sociedade medieval. Tratava-se de um sistema ou organização baseado na atribuição de um pedaço de terra em troca de serviços. Na sociedade feudal, um dos conceitos base era o de lealdade.
O rei fazia doações de terra aos nobres do reino. Estes prometiam, em troca, defender o rei com soldados. Por sua vez, os nobres dividiam a sua terra com os cavaleiros. Na base desta organização social encontravam-se os camponeses, que trabalhavam a terra mediante promessa de proteção.
O padre, o cavaleiro e o camponês são três figuras que exprimem o essencial da Idade Média em termos de organização social. Estas ordens equivaliam a três atividades distintas: os que rezam, os que combatem e os que trabalham.
Os eclesiásticos consagravam a sua vida às tarefas espirituais e intelectuais. Podiam ser seculares, ou seja, viver na vida comum, como párocos ou ser regulares. Estes últimos eram monges e obedeciam a regras. Alguns viviam em minúsculos mosteiros, outros conheciam o luxo das catedrais e dos grandes centros de peregrinação. Todos se consagravam a missões sociais e eram sacerdotes, médicos, professores e conselheiros. Nenhum monge tinha bens próprios. As terras e casas onde viviam e a roupa e objetos que utilizavam só à Igreja pertenciam.
Os que combatiam eram os homens de guerra e tinham por missão garantir a paz. Os cavaleiros eram uma elite guerreira e tinham um importante estatuto na sociedade. A cavalaria representava o difícil equilíbrio entre a elegância e a brutalidade. Era o ideal de um mundo que vivia constantemente em guerra. A maior parte das pessoas eram camponeses pobres. Cultivavam a terra e trabalhavam para um pequeno número de grandes proprietários de terras, que eram também chefes militares, geralmente cavaleiros. Em contrapartida, estes davam-lhes proteção contra os ataques inimigos.
A vida na cidade
A partir do século XI começou a registar-se o grande período da urbanização. Em torno do senhor eclesiástico ou laico foram criados pequenos núcleos urbanos e desenvolveram-se novas formas de sociabilidade e uma vida comunitária com regras próprias.
A cidade medieval tornou-se um espaço fervilhante, concentrando num pequeno espaço igrejas, escolas, ruas e tabernas e algumas dezenas de milhares de habitantes, Lugar de produções artesanais e de trocas comerciais, a cidade medieval começou a desenvolver as funções essenciais que ainda hoje caracterizam os grandes centros urbanos: o poder, o comércio, a cultura e a informação.
Numa época em que a maioria das pessoas viviam presas por laços de dependência aos seus senhores, as cidades surgiam como uma miragem de liberdade e a promessa de uma vida melhor.
Dominadas pelas suas catedrais e por uma intensa actividade social e comercial, as cidades opunham-se ao campo. Na cidade, acabava por haver falta de espaço, porque havia demasiadas pessoas e demasiadas casas. Havia lixo nas ruas e as doenças espalhavam-se com muita facilidade.
A muralha isolava o espaço urbano, assegurava a sua defesa e permitia o controlo da circulação com o exterior. Estes muros de pedra tinham a função de defender a cidade e também de controlar a entrada de mercadores e visitantes, que tinham de pagar uma portagem. Os portões da cidade abriam-se ao amanhecer e encerravam quando o sol se despedia. Ao pôr do sol, os sinos da cidade faziam-se ouvir. Era tempo de recolher a casa, já que as ruas não tinham luz e eram um local perigoso depois do entardecer.
A vida no campo
Cerca de 90% da população vivia e trabalhava no campo, ocupando-se da agricultura. Os camponeses viviam em casa rudimentares e dividiam-se em dois grandes grupos: os que eram livres e os dependentes. Estes últimos eram designados de servos. Segundo a lei, os camponeses medievais, juntamente com os campos, os animais e até as roupas, pertenciam ao senhor feudal. Nas terras pertencentes ao senhor cultivavam cereais como a cevada, o centeio ou o trigo. No sistema de afolhamento trienal, apenas dois campos eram semeados com cereais, enquanto o terceiro era deixado em pousio, para recuperar o seu vigor.
Como ainda não havia máquinas agrícolas, todo o trabalho de lavoura era feito à mão, com a ajuda de foices, forquilhas, podadeiras e carroças para o transporte. A agricultura medieval exigia assim muita mão-de-obra para todos os trabalhos a executar: lavrar, ceifar, malhar, vindimar, tosquiar. Os camponeses criavam ovelhas, vacas e porcos, a partir dos quais produziam lã e obtinham leite e carne e trabalhavam igualmente na vindima.
Nas pequenas habitações construídas em torna do castelo, as condições de vida não eram as melhores. Num pequeno compartimento, coabitavam o camponês, a sua família, os animais e os utensílios. De sol a sol, os trabalhadores executavam as árduas tarefas agrícolas e faziam a recolha de provisões. Nos celeiros, eram armazenadas as colheitas, a lenha, os ovos e a farinha. Os camponeses deviam entregar à Igreja um dízimo, ou seja, um décimo daquilo que produziam. Muitos tinham ainda de fornecer alimentos ao senhor feudal. Tratava-se de uma espécie de renda em que o pagamento era em géneros e não em dinheiro.
O castelo medieval
Os castelos são um dos maiores legados da Idade Média e então havia milhares de castelos espalhados por toda a Europa. Começaram por ser projetos arquitetônicos simples, mas de importância decisiva. Ao longo dos séculos e fruto da necessidade, foram-se aperfeiçoando as suas estruturas de forma a tornar a sua conquista cada vez mais difícil.
Vistos de fora, os castelos eram sólidas construções e era difícil imaginar o que se passava no seu interior. Geralmente, ficavam no topo de uma colina. Do alto, dominavam a paisagem e vigiavam a região. Eram quase sempre constituídos por torres maciças e paredes altas, sem janelas. Dentro da muralha principal, feita de pedra, existia uma outra, cuja entrada estava protegida por uma ponte levadiça. Acima dos portões existiam buracos através dos quais se deixavam cair pedras ou óleo a ferver. Do alto da torre de menagem, uma sentinela observava tudo a quilómetros de distância. Os merlões serviam de proteção aos arqueiros que disparavam através das ameias, os intervalos entre os merlões. As únicas aberturas nas paredes eram as seteiras, um espaço demasiado exíguo para alguém entrar, mas suficiente para os arqueiros desferirem setas. Os arqueiros conseguiam atirar com precisão a uma longa distância e eram vitais na defesa do castelo. As escadas em espiral de cada torre eram construídas no sentido dos ponteiros do relógio. Deste modo, o defensor que as descesse tinha mais espaço para manusear a arma. Quando o inimigo se aproximava, sob a forma de vultos escuros entre o nevoeiro, a sentinela tocava a sua corneta. Então, era altura dos guardas içarem a ponte levadiça.
As Guerras e os torneios medievais
Durante a época medieval, a guerra podia começar a qualquer momento. Por isso, era preciso estar bem preparado. Enquanto os reis e os nobres construíam castelos, os cavaleiros treinavam-se na arte do combate desde muito jovens. Os cavaleiros, soldados de classe elevada, tinham uma grande variedade de armas à sua disposição, como espadas, machados, maças ou lanças. Estas últimas chegavam a medir quatro metros e meio. A armadura era fundamental para a proteção e defesa do cavaleiro. Pesava mais de dez quilos, pelo que podia levar uma hora a vestir. Dela fazia parte uma cota de malha com inúmeros aros de metal unidos uns aos outros. As espadas mortíferas e as armaduras reluzentes destacavam-se no corpo do cavaleiro com o rosto escondido por detrás de um grande elmo. Quando um cavaleiro usava uma armadura completa, ficava irreconhecível. Por isso, cada um decorava o seu escudo ou armadura com o seu símbolo ou brasão.
Naquele tempo, os torneios de cavalaria eram uma constante e tinham uma dupla função. Para além do aspecto lúdico e de entretenimento, eram um óptimo pretexto para os cavaleiros se exercitarem para as sangrentas batalhas. Os torneios tornaram-se muito populares e os seus vencedores ganhavam valiosos prémios em dinheiro, cavalos e armaduras. A multidão acotovelava-se nas tribunas, para ver os combates entre os cavaleiros. Alguns eram verdadeiros heróis e combatiam de castelo em castelo. Inicialmente, os torneios eram sangrentos e perigosos. Progressivamente, a cavalaria foi-se tornando um código de honra do qual faziam parte o respeito pela Igreja, a piedade pelos pobres e a bravura. A espada do cavaleiro era uma entidade mítica e não devia ser usada para fazer o mal.
A vida espiritual
As Igrejas e catedrais dominavam a paisagem medieval e tinham como únicos rivais os imponentes castelos. O seu número testemunha o intenso fervor religioso que se viveu então.
Na Idade Média, a religião cristã fazia parte da vida quotidiana. regulando a vida prática e espiritual das populações. O medo do inferno e do apocalipse dominavam o homem e inspiravam os artistas. As pessoas procuravam na igreja a explicação para os mais diversos acontecimentos, como as epidemias, a fome e até as trovoadas. Através da oração e da devoção, esperavam afastar essas adversidades.
Naquela época, numerosos cristãos escolhiam colocar-se ao serviço de Deus. Tornavam-se monges e viviam afastados do mundo, nos mosteiros. Rezavam a horas certas, seguiam regras estritas e trabalhavam diariamente. Ao contrário da maior parte dos seus contemporâneos, os monges sabiam ler e escrever. Simultaneamente biblioteca, colégio, repositório de tesouros e oficina, o mosteiro representava a verdadeira cultura cristã. Como membros de uma comunidade auto-suficiente, os monges tinham inúmeras tarefas diárias.
Instituição poderosa, com leis próprias, cobradora de impostos e dona de territórios, a Igreja enriqueceu consideravelmente ao longo da Idade Média. A maior parte das aldeias tinha uma igreja e os grandes centros urbanos tinham magníficas catedrais e grandes mosteiros. As catedrais, repletas de estátuas, vitrais, esculturas e frescos pintados nas paredes, relatavam histórias e episódios bíblicos. Os vitrais eram uma espécie de banda desenhada, que ensinava às pessoas que não sabiam ler as histórias da Bíblia.
A casa medieval
As casas medievais eram muito diferentes das nossas. Nas cidades medievais, as casas eram construídas em madeira ou pedra. Tinham dois ou mais andares com sacada, projetando-se sobre a rua. Este facto explica em parte a fisionomia das cidades medievais, retratadas como sombrias e pouco arejadas, apesar das janelas não terem vidros.
As casas medievais tinham as lareiras no meio da sala, longe das paredes de madeira e para evitar os incêndios. Era em seu redor que as famílias se sentavam, para se aquecerem nas noites frias e escuras. Para iluminarem
a noite, utilizavam juncos mergulhados em gordura, que ardiam como velas. Era frequente haver nas traseiras das casas pátios e jardins, onde se encontravam animais domésticos como a galinha e o porco. Não havia casas de banho, apenas fossas que necessitavam de uma limpeza periódica.
A vida dentro da casa era em comunidade e havia falta de intimidade, já que todos os seus habitantes comiam, dormiam e passavam o tempo livre na mesma divisão.
Mesmo entre os mais ricos e poderosos, usavam-se poucas peças de mobiliário. Do mobiliário faziam parte uma mesa, assentos sem costas e um móvel essencial pela sua enorme versatilidade: o baú ou arca. Dotada de uma utilização polivalente, o baú servia tanto de assento como de armário onde se guardavam as roupas ou as loiças. A arca era também muitas vezes transformada em mesa, para servir o jantar. As pessoas abastadas dormiam em camas de madeira resistente, com um dossel por cima e cortinas laterais. A maior parte dos colchões eram de palha. Na maioria das casa, as pessoas sentavam-se em bancos baixos. Apenas o senhor dispunha de uma cadeira com espaldar e braços.
A cozinha medieval
A cozinha era muitas vezes construída no pátio em edifício separado, como precaução contra os incêndios. O equipamento de cozinha dessa época incluía o almofariz, panelas e frigideiras de cabo comprido. A maior parte dos pratos eram confeccionados em grandes panelas de ferro. O caldeirão de 3 pernas podia ser colocado sobre o fogo ou suspenso por um gancho.
Os cozinheiros tinham de ter talento para disfarçar o sabor de alguns alimentos. Por isso, a cozinha medieval usava e abusava de ervas aromáticas como os coentros, a salsa e a hortelã para condimentar os pratos. Cultivava-se o tomilho, o alho, a mostarda e o açafrão e utilizava-se também o sal e ainda pimenta vinda do Oriente.
A carne, guardada em despensas, nem sempre se mantinha fresca. O peixe cozinhado com salsa e funcho era um prato popular. A Igreja ordenava que às quartas, sextas e sábados não se comesse carne. O arenque salgado ou as enguias, além de uma grande variedade de peixes do mar e rio, eram consumidos com frequência. Legumes como as cebolas, couves e alho-francês eram utilizados para engrossar as sopas e estufados, mas não eram especialmente apreciados, pelo menos entre as classes superiores. O regime alimentar variava de acordo com as posses de cada um. Enquanto os nobres abastados e os mercadores podiam ter uma vasta gama de alimentos à mesa, o regime alimentar das pessoas comuns era bem mais restrito. Comiam pão de centeio ou trigo, alguns legumes e os porcos da sua criação, ou ainda peixe salgado e lácteos compostos a partir de leite de vaca, cabra ou ovelha. Nas refeições comuns, o prato diário era um espesso caldo de legumes e muita carne.
À mesa na Idade Média
Rabelais dizia que a gastronomia é uma arte complicada, da qual o estômago é o pai. E é também um dos melhores reflexos dos hábitos e costumes de uma época. Sentemo-nos pois à mesa medieval. As duas refeições principais eram o jantar e a ceia. No século XIV jantava-se entre as 10 e as 11 da manhã e a ceia era por volta das 6 ou 7 da tarde. À mesa encontrava-se todo o tipo de carnes, base da alimentação, como a carne de vaca e porco, cabrito, carneiro, lebre e faisão. A par destas, havia caça e aves exclusivas da época, como o urso, o gamo, a corça, a garça, e o pavão. A forma mais frequente de cozinhar a carne era assá-la no espeto, mas também se servia cozida, estufada ou em caldeirada. Um banquete medieval podia incluir ainda iguarias como pavão, baleia ou cisne.
O peixe fresco era mais raro e servia-se por isso mesmo em pequenas quantidades ou frito. Já o peixe seco, salgado e defumado era utilizado com maior abundância. Em termos de doçaria, o leite estava omnipresente nas confecções da época e era ingrediente imprescindível no manjar branco, nos pastéis de leite e nas tigeladas. Os vinhos servidos eram brancos, tintos e palhetes. Como azedava com facilidade, o vinho era frequentemente servido com mel ou gengibre. E porque os olhos também comem, a decoração dos pratos, tal como a decoração dos recintos, era extremamente cuidada. As longas mesas eram cobertas com magníficos tecidos e iluminadas por tochas empunhadas por criados. Então, as iguarias começavam a desfilar, devidamente ornamentadas. Os pratos tinham o nome de escudelas e serviam para dois convivas, sentados lado a lado. Apesar de já existirem colheres e facas, as mãos eram o principal talher utilizado. Cada um usava as sua própria faca, uma colher e os dedos para comer educadamente à mesa.
O comércio medieval
Entre os séculos XI e XIII, assistiu-se a um enorme crescimento das cidades, numa Europa cada vez mais dedicada ao comércio. O aumento das trocas sociais foi determinante para o aumento do número de cidades. onde havia cidades, concentravam-se os mercadores. Os mercadores da Idade Média eram vendedores ambulantes que andavam de cidade em cidade e vendiam tanto produtos artesanais como mercadorias exóticas importadas de terras longínquas.
O mercado animava regularmente as praças da cidade e era o local onde se faziam os negócios. As trocas comerciais intensificaram-se e as lojas e bancas de então são um testemunho da arquitetura urbana. O comércio medieval marca o início da economia monetária. Então, desenvolveu-se o gosto pelo negócio e pelo dinheiro.
O comércio começava ao amanhecer e a praça do mercado, com a sua catedral ou igreja, era o polo da cidade para o qual convergiam as principais ruas. Os comerciantes penduravam no exterior da loja um objeto, como um sapato ou um peixe, para indicarem qual a sua atividade comercial. Muitas vezes, as ruas recebiam o nome de uma atividade comercial. Assim, chamavam-se, por exemplo, Rua do Sapateiro, Rua do Padeiro, Rua do Barbeiro.
Numerosos artesãos abriam ateliers na cidade e fabricavam roupa, tapeçarias e louça. Na cidade medieval, as lojas amontoavam-se e era frequente ocuparem pequenos espaços.
Um dos grandes acontecimentos era a feira anual, que se prolongava durante vários dias e tinha lugar no exterior das muralhas. As transações comerciais realizavam-se num ambiente de descontração e eram animadas por acrobatas e músicos. Os comerciantes exibiam as suas mercadorias, umas populares, outras vindas de terras longínquas como a Rússia ou a China.
Como se passava o tempo
O tempo tem destas coisas. Nem sempre parece passar da mesma maneira, o que lança logo uma questão: afinal, a passagem do tempo é objetiva ou subjetiva?
Na Idade Média ainda não havia relógios e o tempo corria devagar. As noites eram longas e escuras, mas se as pessoas estivessem entretidas, pareciam subitamente muito mais curtas e iluminadas. Então, muitos passatempos tinham o duplo fim de servirem como entretenimento e como forma de fornecer alimentos ou desenvolver a perícia militar. Muitos dos passatempos tinham deste modo um lado prático, decorrente das necessidades de sobrevivência e defesa.
Uma das grandes ocupações era a caça, um passatempo com várias funções e fins práticos. O senhor das terras caçava para se distrair, para eliminar os animais que destruíam as suas colheitas e para se alimentar. Servia-se de falcões para descobrir e matar a caça pequena e tinha também a sua própria matilha de cães. Os caçadores e as suas matilhas de cães caçavam veados e javalis selvagens nos seus coutos privados. O arco era outro instrumento de caça e servia para apunhalar lebres, perdizes e faisões. A caça era assim o desporto favorito do fidalgo e uma forma de acrescentar comida suplementar à sua despensa.
A falcoaria era igualmente um desporto medieval muito popular. Os senhores possuíam os seus próprios falcões
e gastavam avultadas quantias de dinheiro na compra e treino destas aves. Os falcões eram treinados pelos falcoeiros para caçarem coelhos e pássaros como os pombos. Os nobres tinham por hábito saírem para a caça a cavalo e com um falcão no punho.
Os senhores abastados organizavam festas sumptuosas nas salas do castelo. Os pagens serviam a comida e as bebidas
e os pratos sucediam-se numa enorme variedade de sabores. Em noites de festa, havia ementas especiais no castelo. Os festejos e as refeições duravam horas e eram animados pelos artistas de então: momos, acrobatas, prestidigitadores e os imprescindíveis bobos da corte. O bobo da corte tinha por principal tarefa divertir o rei e os seus convidados. Por vezes, havia mesmo macacos ou ursos que também executavam números de entretenimento.
Senhores e damas da corte passavam horas a jogar xadrez, gamão e dados. Jogar às cartas também se tornou muito popular a partir do século XIII.
Nas cortes dos senhores feudais, os trovadores cantavam o amor dos cavaleiros pelas suas damas e narravam feitos heróicos, destacando a bravura dos cavaleiros. Os trovadores tocavam música e cantavam os dois grandes temas que eram o amor e a guerra. Os poemas que escreviam eram cantados em festas pelos jograis ou menestréis, que se faziam acompanhar por instrumentos musicais como a viola em arco, a harpa ou o alaúde. Os trovadores compunham canções de cruzada, pastorais, trovas populares e inventaram o amor cortês do cavaleiro dedicado à sua dama. Tratava-se de uma espécie de paixão secreta com regras rigorosas. A identidade da pessoa amada devia ser mantida em segredo e regra geral tratava-se de uma mulher casada. Daí que o amor fosse um amor proibido. A cavalaria tornou-se o outro ideal de que as canções dos jograis nos deixaram eco.
O som envolvente do alaúde, trazido do Médio Oriente, servia de pano de fundo ao canto dos trovadores. Os músicos mais hábeis conseguiam dedilhar complicadas melodias com os cinco pares de cordas dos instrumentos.
As festas e os jogos fazem parte da identidade urbana, na sua afirmação face à cultura campesina. Nos compridos serões do castelo, todo o visitante que trouxesse na sua bagagem narrativas de viagens ou aventuras para contar, era bem vindo. Os trovadores, músicos ambulantes, levavam as novidades de um lugar para o outro.
Na Idade Média, muita gente ouvia música na igreja. Sagrada ou profana, a dança e a música animavam a sociedade medieval.
Também as festas e as feiras eram um motivo de distração e por isso mesmo sempre aguardadas com expectativa. Tanto os camponeses como os citadinos contavam impacientemente os dias até estas se realizarem. As grandes feiras tinham habitualmente lugar no dia das festas dos santos. Os mercadores montavam as suas barracas com as mercadorias trazidas de lugares distantes e vendiam especiarias, tecidos e vidros. Havia uma grande variedade de comida ao dispor de todos e consumiam-se grandes quantidades de cerveja e vinho. Os acrobatas, malabaristas e músicos animavam as feiras com as suas exibições.
Alguns malabaristas conseguiam manipular sete bolas ao mesmo tempo, para deleite dos espectadores.
Caça, falcoaria, jogos de xadrez, música e poesia trovadoresca, banquetes e serões, na Idade Média foram inventadas muitas formas de passar o tempo, no tempo em que o tempo ainda não tinha ponteiros de horas, minutos e segundos.
O Castelo de Castro Marim
As origens da vila de Castro Marim perdem-se no tempo. Ainda hoje não se sabe se na origem de “Marim” está uma palavra relacionada com “mar” ou se este termo não passa de uma variante do árabe, significando “torre”. Ambas as versões justificam o brasão de Castro Marim, uma torre sobre as águas entre mouros e cristãos, correspondendo a torre ao Castelo Velho.
Classificado como monumento nacional desde 1910 e outrora principal praça de guerra do Algarve, o Castelo de Castro Marim está implantado num penhasco. Do alto do penhasco observa a vila e sente-se dono da paisagem, como no tempo em que Fenícios, Cartagineses, Romanos e Árabes ocupavam a região. Reza a história que em 1242 Castro Marim foi conquistada aos mouros por D. Paio Peres, fronteiro-mor do reino, tendo recebido foral em 1277.O castelo faz parte de uma edificação notável de fortificação da fronteira. Em 1319, a vila tornou-se o quartel-general dos Cavaleiros de Cristo e o Infante D. Henrique, nomeado governador da Ordem, residiu no Castelo. Até 1755, a vila viveu à sombra das suas muralhas, que depois do terramoto foram restauradas no reinado de D. João IV.
Uma visita ao Castelo de Castro Marim é sempre uma revelação para a vista, quer pela estrutura e imponência do castelo, quer pela excelente vista que este oferece sobre o rio Guadiana e a zona do Sapal. Ex-libris da vila e testemunha fiel e visível de tantos séculos de história, as muralhas do Castelo guardam muitos segredos e factos que a história silenciou dentro das muralhas do Castelo. Além de guardarem o eco das batalhas sangrentas, que as paredes registaram nos primórdios da história, guardam o que chegou até nós do Castelo velho. Provavelmente de construção muçulmana, ele assenta sobre uma planta irregular, de configuração quadrada com quatro torreões e duas portas.
Situado no interior do Castelo existe um pequeno núcleo museológico que testemunha aspectos arqueológicos e históricos da região.
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